Sobre o nome "Santana de Pirapama"

Lembro-me de, quando criança, ouvir as pessoas mais velhas dizerem “vou nas Traíras”, quando precisavam comparecer a uma consulta médica, fazer compras ou resolver qualquer pendência. Curiosa como qualquer criança, quis saber onde ficavam as Traíras e então me explicaram que esse era o nome antigo de nossa cidade. Aprendi também que esse nome se devia ao fato de lá, antigamente, ser o lar de gente brava. 


A traíra é  um peixe que normalmente habita águas paradas, em lagos, lagoas, remansos. Costuma se situar próxima aos barrancos cobertos com vegetação, à espreita de suas presas. Sim, a traíra é um peixe carnívoro! Sua dieta é composta de peixes menores, rãs e insetos. Possui dentes poderosos e afiadíssimos, daí carregar o epíteto de “peixe bravo”


Mais tarde, aprendi na escola que a palavra “PIRAPAMA” significa “peixe bravo”. De origem indígena, essa palavra é composta de outras duas: pira=peixe, pama=bravo.


Só agora, em minhas pesquisas, descobri que nossa terra recebeu esse nome “SANTANA DE PIRAPAMA” antes mesmo de sua emancipação polítíca. E houve quem não apreciasse a mudança. Uma dessas pessoas, foi o Professor e Jornalista Antonio Gabriel Diniz, da cidade de Curvelo. Em 28 de março de 1945, ele escreveu uma carta ao amigo, Padre Roque Venâncio da Silveira, na qual tecia algumas considerações sobre o nome escolhido. A má impressão causada pelo nome, segundo ele, se devia à origem do termo, esta registrada  pelo historiador Teodoro Sampaio. Mas, esse desagrado dura pouco. 


Logo a seguir, ele lembra dois fatos da história de nosso país para mostrar que a palavra “PIRAPAMA” também pode evocar boas reminiscências: a batalha dos Guararapes, travada às margens do Rio Pirapama, em Pernambuco e o episódio que ficou conhecido como “Questão Religiosa”, conflito entre a Igreja Católica  e a Maçonaria, durante o Segundo Reinado. O posicionamento do Barão de Pirapama, um dos componentes do tribunal responsável por julgar os bispos envolvidos na questão agradou ao Professor. Vale a pena ler a carta:

“Não sei se a você causou má impressão o nome por que crismaram a nossa Traíras. PIRAPAMA, confesso, não me agradou. 
Teodoro Sampaio (o Tupi na Geografia Nacional, ensina que o termo quer dizer «bate o peixe», isto é, onde o peixe salta n’água. Isto não é expressivo. 
Hoje, porém, simpatizo-me com o nome.


1)PIRAPAMA é um rio pequeno de Pernambuco, em cujas proximidades se deram as duas batalhas dos Guararapes: - a 1ª aos 19 de abril de 1648; a 2ª  aos 19 de junho de 1649.
Essas batalhas foram decisivas da guerra contra os
holandeses.
Disse o Barão do Rio Branco (Efemérides Brasileiras, pag. 147) quando trata da 2ª batalha dos Guararapes que “as extensas descrições contemporâneas, que possuímos, desta e da 1ª batalha, assim como as dissertações explicativas nestes últimos anos, continuarão a ser, como até aqui, palavreado incompreensível, enquanto o nosso governo ou o Instituto Arqueológico de Pernambuco, não mandar levantar uma planta escala, tomando por modelo as do estado maior francês, do território compreendido entre o meridiano de Jaboatão e Naoribéca, a Oeste, o mar a Leste, e os rios Capiberibe e PIRAPAMA ao Norte e ao Sul». 


2) Pela parte que tomou nos julgamentos dos bispos D. Macedo Costa e D. Frei Vital, um dos ministros, PIRAPAMA trar-nos-á sempre à memória os dois bispos mártires do cumprimento do dever e de suas resistências tiraremos força para nossas lutas no cumprimento dos deveres. Com o ministro julgador, aprenderemos a julgar os perseguidos do Poder.


Dos oito ministros que constituíram o conselho julgador dos dois bispos, 6 votaram pela condenação a 4 anos com trabalhos; um votou pela desclassificação; outro — o Ministro Barão de Pirapama — votou pela nulidade do processo e considerou incompetente o tribunal. Por esses motivos soa-me, agora, muito bem Pirapama, embora saibamos que não foi por isso que assim crismaram a nossa Traíras.


Em todo o caso deram-lhe nome que nos lembra o patriotismo do brasileiro na luta contra o invasor e a serenidade de um juiz brasileiro na perseguição a dois bispos, levada a efeito pelo Poder Maçônico da época.


Achei que não podia deixar de levar ao seu conhecimento estes fatos; pois sei que Pirapama — dagora e de outras épocas — empolga os seus sentimentos de brasileiro e de sacerdote.”

O assunto foi tema de um artigo publicado no jornal “Gazeta de Paraopeba”, no dia 29 de julho de 1945. O autor, padre Rubem Silveira Matos. Esse artigo traz uma informação interessante: aventou-se batizar a nossa terra “Analândia”. Quem teria proposto este nome? Padre Rubem faz uma vigorosa defesa do nome “Pirapama”, em detrimento de “Analândia”, e expõe os motivos.


“Pirapama, eis o novo nome da antiga Traíras, nome de significação tríplice e perfeitamente adequada ao lugar em cada uma de suas significações. Analândia devia ser o nome desse lugar no desejo do vigário e do povo; entretanto, em meu fraco julgar, não acho absolutamente acertado, pois além de ser mistura de alemão «land» (terra) e português «Ana», a significação é geral, terra de Ana. Si porém ficar Pirapama, poderá chamar-se religiosamente Sant’Ana do Pirapama ou de Pirapama, por ser assim completa a significação. Com efeito, Santa Ana é a padroeira da que se chamou Traíras, terra de progresso em todo sentido; progresso material, como se prova pelas boas igrejas que possui — matriz de cuja torre já se iniciou a construção, e igreja do Rosário — boa casa paroquial; campo de aviação; salão de teatro; escolas bem adaptadas; rodovias para Sete Lagoas. Araçaí e Cordisburgo, farmácias; dentistas, etc. — progresso intelectual e social, comprovado pelo bom trato do povo, compreensão mútua, grande número de colegiais  moços e moças e competente professorado de escola primária - progresso moral e espiritual, verificado pelo espírito profundamente católico de todo o povo assim da sede como das localidades vizinhas, grande número de confissões e comunhões — especialmente nas festas religiosas; inquebrantável união com o vigário que dedica o melhor de seus talentos e energia para o bem estar e adiantamento geral do lugar. Ora, por tudo isso, lhe convém o nome de Pirapama, detestado por não poucos, apegados ao antigo nome de Traíras. Pois bem, para esses, é bem fácil fazer uma conciliação, justamente pelo emprego de tal nome. 


Na verdade, Pirapama, em uma de suas significações, quer dizer «peixe bravo», muito aplicável à traíra. Logo, Traíras ou Pirapama significam a mesma coisa. E Sant’Ana de ou de Pirapama, religiosamente, contém toda a significação desejada; pois, guardando o nome de Traíras — por sinonimia — acrescenta o da padroeira. Politicamente, porém, será Pirapama simplesmente. Mas, não fica nisso apenas o rico significado, pois que Pirapama pode se considerar como mistura de grego (pira-fogo) e tupi (pama-rainha), ou seja: «rainha do fogo», do progresso, como acima se disse. Mais ainda: pode-se compor de pira (peixe) e pama (fruto silvestre do Brasil), termos tupis, significando, pois, «peixe e fruto». Ora, justamente ex-Traíras é terra de peixe e de frutos, por causa do Rio das Velhas e da fertilidade dos terrenos. Qualquer dos sentidos, portanto, cabe perfeitamente bem ao lugar, e é mais conveniente que o nome de Traíras, ou — o que é pior — Analândia. Enfim, são questões de gosto, e portanto não para serem discutidas. O que sobremaneira interessa dizer e lamentar é que tão adiantado lugar, tão próspero, um dos orgulhos do interior do nosso querido Brasil, se acha atualmente sem a ponte que o ligava a Cordisburgo e Araçai, donde e para onde com facilidade se faziam transportes de gêneros de grande necessidade, estando assim o trânsito bem dificultado. Seria para se desejar que aquela ponte, mais de uma vez reparada e agora em parte desabada, fosse quanto antes consertada para o bem-estar de um povo que bem o merece pelos motivos supra-expostos, pelos quais muito concorre para a boa fama do município.”





O Clérigo Júlio Gomes de Oliveira, proeminente religioso de nossa terra, também mencionou o tema, em um artigo publicado na Gazeta em 07 de julho de 1946:


“PIRAPAMA
(ex-Traíras)


 Este é o nome que recebeu desde 1944, o antigo distrito de Traíras, cuja etimologia traduz muito bem em Tupi-Guarani o seu primitivo nome de Traíras; pois, Pira, significa «peixe», e Pama, quer dizer «bravo, voraz», o que condiz com a traíra, que ao lado da piranha e do dourado é um dos peixes mais bravos e vorazes dos nossos rios e córregos. 


Assim Pirapama entrou no rol dos nomes indígenas tão característicos com a índole de nossa língua e raça. Pirapama, hoje vila e distrito de Cordisburgo desde 1939, já conta um século de fundação; e, em 1950, comemorará com júbilo e pompa o  centenário de sua elevação a paróquia. 


No mapa topográfico, Pirapama acha-se situada à margem direita do Rio das Velhas, tão conhecido e celebrizado nas Entradas e Bandeiras que vararam o sertão mineiro à cata de ouro e pedras preciosas; goza de um clima puro e saudável e tem como fontes principais de riqueza, a lavoura e a criação em grandes escalas. 


Traíras, hoje Pirapama, como sói acontecer com as sociedades, com as organizações e com os tempos, teve seu período de crescimento, não chegando a atingir o de plenitude, de esplendor; passando prematuramente ao período de decadência, de marasmo, de incubação; e, isto em virtude de fatores diversos: facções políticas, organização deficiente, falta de chefe, frieza patriótica, etc. Não visamos aqui, porém, acoimar nem a A, nem a B, pelo contrário fazemos até confissão pública de nossas faltas nesse sentido; e,  a carapuça no caso presente cabe em todos aqueles que direta ou indiretamente deviam trabalhar pelo engrandecimento desta terra e não o fizeram, assistindo indiferentes e de braços cruzados a sua agonia. 


— Mas após a tempestade vem a bonança, passou o período de incubação e chegou a primavera com o pleno desabrochar de uma nova vida; é o período de reação, a história está cheia de fatos idênticos, os homens são volúveis demais, querem sempre mudanças e nestas mudanças ora progridem, ora retrocedem; aqui porém a mudança foi para o progresso e o fator deste progresso, desta reação em Pirapama, partiu, cumpre confessá-lo, de um homem que enviado por Deus, na pessoa do revmo. sr. padre Roque Venâncio da Silveira para dirigir os destinos espirituais .do povo de Pirapama, poude [sic] ainda com sabedoria, amor e dedicação inexcedíveis-se ocupar também dos destinos temporais e materiais deste mesmo povo. 


Começou o «fervet opus» foi ingente o trabalho de reconstrução, apareceram dificuldades que foram resolvidas; o vigário conquista a simpatia do povo que passa a ser um instrumento dócil em suas mãos. Ao lado do apoio de todos vem a cooperação direta e Pirapama renasce para uma vida nova. 


No campo religioso é o ideal de uma paróquia: povo simples, dócil, moralizado e instruído; perfeita comunhão de idéias e sentimentos; freqüência assídua aos sacramentos; demonstrações públicas de fé; festas solenes e.muito concorridas tais como as de Santana, padroeira da paróquia, N. Senhora do Rosário e Divino que se realizam nos dias 25 a 28 de Julho. 


No campo material é uma vila em franco progresso: grande limpeza nas ruas, comércio ativo, vias de comunicação com Sete Lagoas, Curvelo, Cordisburgo, Araçai. Destas rodovias só a de Sete Lagoas está em franco trânsito, com jardineira três vezes por semana, às 2as., 4as. e 6as., sendo que o trecho de Pirapama a Jequitibá foi feito exclusivamente às expensas do vigário e povo. Quanto às estradas para Araçai e Cordisburgo estão com um tráfego diminuto em conseqüência da queda da ponte do Rio das Velhas, de importância capital para o comércio entre Pirapama e o município de Cordisburgo. Outro empreendimento digno de notar foi a construção de um ótimo campo de aviação dentro da localidade, e que em breve será registrado, lendo sido já inspecionado por um engenheiro da Aerovia. 


O telefone, que liga Pirapama a Cordisburgo, já inaugurado, acha-se em concerto. E, assim ao lado destes empreendimentos de maior vulto, outros têm sido realizados pelo vigário e povo. Como porém, muita coisa ainda mas falta, como: ponte sobre o Rio das Velhas, luz, grupo escolar, etc, apelamos para o apoio e colaboração de todos aqueles que pelo seu cargo e posição podem fazer valer seu interesse em prol desta vila que tanto espera das autoridades constituídas. 
Portanto união, trabalho e patriotismo devem constituir o lema dos filhos desta terra; pois da união nasce a força; do trabalho, o progresso; e, do patriotismo, o interesse, o amor, a dedicação.”

Esse artigo destoa dos demais textos sobre a nossa cidade publicados na Gazeta, ao mencionar as dificuldades experimentadas em Pirapama. Uma análise rasa dos artigos e notícias publicadas ao longo dos anos permite-nos concluir que o correspondente da Gazeta exercia a função de um profissional de relações públicas, selecionando informações e escrevendo matérias que funcionavam como verdadeira propaganda da cidade, da pessoa do Monsenhor Roque e das demais autoridades. 


Clérigo Julio foge a essa tendência ao não só citar uma certa decadência, como mencionar as suas possíveis causas: “facções políticas, organização deficiente, falta de chefe, frieza patriótica”. Mas, ele lembra que essa estagnação já estava sendo vencida. Sob a liderança de Padre Roque - “um homem que enviado por Deus”,  e com a contribuição incondicional da população local, Pirapama vinha recuperando o vigor progressista.


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Muitas são as perguntas ainda sem respostas acerca da história de Pirapama. O contexto da mudança de nome, por exemplo, precisa ser melhor pesquisado. Por que se fez necessário mudar o nome da nossa terra? Quem levantou essa necessidade?
Quem sugeriu os  termos Pirapama e Analândia? Além desses, houveram outras sugestões?

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