O problema das leis que não "pegam"
Você já deve ter
ouvido alguém dizer que problema do Brasil é o excesso de leis. As pessoas
costumam afirmar que sempre que se identifica um problema, seja ele de ordem
social ou política, logo se cria uma
lei. E dá-se por resolvido o problema.
Assim, se há
um aumento no número de acidentes de trânsito, cria-se uma nova lei. Você sabia
que, a partir de abril de 2018 poderá ser multado se atravessar a rua fora da
faixa de pedestres? Pois é. Essa punição já estava prevista no Código de
Trânsito Brasileiro, mas, não era aplicada por falta de regulamentação. A Resolução 706/2017 acabou com o
problema ao regulamentar não só o comportamento do pedestre, como também o do
ciclista nas vias públicas. Resta saber se haverá efetivo cumprimento.
São
incontáveis as leis que não “pegam”, ou seja, por falta de regulamentação e/ou
fiscalização ou mesmo por desconhecimento da população nunca são cumpridas
efetivamente.
Acontece
também de sucessivas leis serem criadas com o objetivo de resolver um mesmo
problema. Você sabia que existem no país inúmeras leis cujo objetivo é acabar
ou mesmo impedir a corrupção? Sendo assim, esse não deveria ser o assunto
número um do noticiário político e de quase todas as rodas de conversas nos
dias atuais, não é mesmo? Nossa Lei maior, a Constituição Federal tenta frear a
corrupção de agentes públicos ao prever, por exemplo, a possibilidade de o
cidadão propor ação popular para defender a moralidade administrativa.
Mas, não é a
única. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 1º de
agosto de 2013) prevê a punição de empresas nacionais e estrangeiras pela prática de atos
contra a administração pública. E tem ainda a Lei nº 12.813, de 16 de maio de
2013, que trata do conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do
Poder Executivo Federal.
Da Lei da Ficha Limpa você já deve ter
ouvido falar. Ela visa, em última instância, a proteger a probidade
administrativa e a moralidade no exercício do mandato político. Fruto da
iniciativa popular, essa lei prevê a punição com inelegibilidade por oito anos
para o “candidato
que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado
por decisão de órgão colegiado, aquela com mais de um juiz, mesmo que ainda exista
a possibilidade de recursos.”
Esses são apenas
alguns exemplos de leis criadas com o objetivo de combater a corrupção no país.
Não obstante o problema persiste. E, a julgar pelos noticiários, está longe de
ser sanado. Ou pelo menos reduzido.
Analisando a
história do Brasil podemos perceber que vem de longe esse costume de se criar
leis com a finalidade de resolver demandas da sociedade sem atentar para o seu
efetivo cumprimento. Um amontoado de normas que tratam de um mesmo assunto, o
qual permanece sem solução. Em alguns casos, normas são criadas sem, nem mesmo
levar em consideração, as causas reais da situação.
Margareth Rago,em
seu livro “Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-1930”
trata do “projeto de integração do proletariado e de suas famílias ao universo
dos valores burgueses” desenvolvido pelos industriais na virada do século XIX
para o século XX no Brasil e das estratégias de resistência dos trabalhadores a
esse projeto noticiada pela imprensa anarquista.
Dentre as ações
empreendidas nesse projeto estava a “desodorização do espaço urbano”, a
reconfiguração da habitação proletária de acordo com novas normas higiênicas e
com os valores burgueses. Isto porque os baixos salários então pagos pela
indústria empurravam a classe trabalhadora para
as estalagens, os cortiços, as casas de dormidas, etc.
Essas habitações escuras, apertadas, comportando um grande número de
habitantes, passaram a ser consideradas pela
burguesia como causadora de doenças que inutilizavam o operário trazendo
prejuízos para a indústria.
Para adequar a
moradia dos trabalhadores foram criadas uma série de normas. Em 1886, por exemplo, foi
decretado o Código de Postura do Município de São Paulo, com um capítulo
especial sobre “Cortiços, Casas de Operários e Cubículos”. Esse capítulo trazia as regras para construção da habitação
dos pobres.
No entanto, anos
depois, em 1894, o Código Sanitário do Estado de São Paulo determinou a
proibição novos cortiços e a eliminação dos já existentes, o que demonstra que
a lei anterior não fora eficiente.
Parece, porém, que
mesmo uma segunda lei não foi suficiente para erradicar as construções
improvisadas, pois, já no século seguinte, em 1917, “o Doutor Clemente
Ferreira, presidente da Liga Paulista contra a Tuberculose, afirmava que
continuava a ser exercida a inspeção sanitária nas habitações operárias,
intimando os moradores através de multas a observarem os regulamentos da
polícia sanitária.”
Criar leis sem
prover o seu efetivo cumprimento é uma maneira de não se envolver com a efetiva
resolução de problemas. A situação descrita no livro mostra como uma classe
social privilegiada responsabiliza outra, menos favorecida, pelos problemas
sociais. A moradia insalubre do pobre é a causa das doenças. Sendo assim,
torne-se ela proibida por decreto. Tivesse o operário melhor remuneração pelo
seu trabalho continuaria ele habitando os cortiços desconfortáveis e apinhados?
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